2024-08-14 HaiPress
Erythrina affra,que antes era Erythrina caffra; 'caffra' é uma versão latinizada de 'Kaffir',palavra que,no sul da África,é considerada um insulto racial — Foto: Reprodução Pl@ntNet
GERADO EM: 14/08/2024 - 04:00
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
Em julho deste ano,cientistas de plantas no Congresso Botânico Internacional em Madri alteraram um nome científico compartilhado por cerca de 200 espécies de plantas diferentes. Ao mudarem "caffra" para "affra",eles afirmaram que estavam votando para corrigir um erro de grafia. Mas quase todos que votaram sabiam que "caffra" não era um erro de grafia.
Preservar ou não? Para doação,antiga mansão de chefe da propaganda nazista evoca dilema sobre passado sombrio alemão'Cara para manter e perigosa para vender': Alemanha procura alternativa para mansão que pertenceu a Joseph Goebbels
Por séculos,a palavra "caffra" foi usada nos nomes científicos de muitas plantas para denotar que cresciam na África. O termo,porém,também é uma versão latinizada de "Kaffir",uma palavra que,no sul do continente,é agora considerada um insulto racial extremamente ofensivo contra os africanos negros. Botânicos da região se opuseram ao uso do termo para se referir a plantas africanas. Na África do Sul,o uso da palavra pode resultar em multa ou até mesmo prisão.
"Devemos a nós mesmos fazer as pazes reconhecendo os erros que nossas gerações anteriores cometeram",disse Nigel Barker,botânico da Universidade de Pretória que foi criado na África do Sul durante o apartheid. Ele observou que os sul-africanos abandonaram muitos nomes oficiais ligados àquela era.
1 de 14
Cactos espinhosos gigantes se erguem sobre o fazendeiro Alcides Peixinho Nascimento,de 70 anos,um dos moradores de uma região da Caatinga — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
2 de 14
Moradores têm a missão de plantar vegetação nativa em uma tentativa de deter a desertificação no região — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade 14 fotos
3 de 14
Nascimento tenta regenerar a terra plantando mandacaru,um cacto emblemático da região que cresce até seis metros de altura — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
4 de 14
A Caatinga se estende por dez estados do Nordeste,uma área única que ostenta uma extensa variedade de arbustos espinhosos,árvores retorcidas e suculentas adaptadas às condições semiáridas — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade
5 de 14
A sua situação atrai pouco interesse em comparação com a exuberante Amazônia,mas a vegetação desta floresta seca desempenha um papel fundamental na absorção das emissões de carbono — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
6 de 14
A ONG MapBiomas relata que o bioma perdeu 40% de sua superfície original devido a agricultura,mineração e instalação de parques eólicos — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade
7 de 14
É na Caatinga,que vem enfrentando períodos de seca cada vez mais severos,que os cientistas identificaram recentemente a primeira zona árida do Brasil — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
8 de 14
As comunidades estão adotando vários métodos agrícolas sustentáveis para garantir sua sobrevivência — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade
9 de 14
Os cactos resistentes à seca produzem frutos que podem alimentar animais e humanos,além de proteger o solo do clima extremo — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
10 de 14
Um estudo recente previu que nove em cada 10 espécies de fauna e flora da Caatinga podem desaparecer até 2060 — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade
11 de 14
O IRPAA também ensina as comunidades locais como prolongar a sua água para durar durante uma seca severa — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
12 de 14
O governo instalou quase um milhão de tanques como esse na região desde 2003 — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade
13 de 14
As instalações diminuíram drasticamente no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro,mas o programa foi relançado recentemente no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
14 de 14
Outra ameaça à Caatinga é o êxodo rural,e o IRPAA criou um centro de formação onde ensinou cerca de 200 jovens sobre métodos agrícolas sustentáveis — Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Pular
X de 14
Publicidade Cientistas identificaram recentemente na região a primeira zona árida do Brasil
Os debates sobre nomes têm se tornado cada vez mais frequentes na ciência. Cientistas de insetos têm abandonado os nomes comuns "mariposa cigana" e "formiga cigana" porque são pejorativos para o povo romani.
Alguns pesquisadores argumentaram que nomes que homenageiam racistas e colonizadores são ofensivos. Isso levou à decisão da Sociedade Ornitológica Americana no ano passado de mudar os nomes comuns de espécies de pássaros nomeadas em homenagem a pessoas e ao recente reposicionamento da NYC Audubon para NYC Bird Alliance.
No entanto,a mudança para "affra" foi um momento diferente,já que os nomes científicos oficiais de centenas de espécies serão alterados. Os cientistas geralmente são avessos a mudanças na nomenclatura científica porque uma nomenclatura estável é importante para a comunicação inequívoca entre pesquisadores ao redor do mundo. Eles normalmente alteram um nome só quando evidências genéticas provam que uma espécie foi nomeada erroneamente.
Quando preocupações semelhantes surgiram no ano passado sobre espécies animais nomeadas em homenagem a Adolf Hitler (Rochlingia hitleri,um besouro) e Benito Mussolini (Hypopta mussolinii,uma mariposa),entre outros,a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica se recusou a mudar seus nomes científicos.
A decisão de renomear todas as espécies "caffra" significa "a primeira vez que a comunidade botânica rejeitou um nome não por motivos científicos,mas por razões políticas",disse Dirk Albach,editor-chefe da revista científica Taxon.
A proposta "caffra" foi aprovada com uma votação de 351-205. Críticos da votação dizem,entretanto,que isso poderia estabelecer um precedente desestabilizador.
1 de 6
Depois de 40 anos sem ser coletada por pesquisadores,a espécie rara Pleroma hirsutissimum foi reintroduzida nas dunas da Praia do Peró — Foto: Divulgação
2 de 6
A última coleta da espécie tinha sido registrada em 1982 por uma pesquisadora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro — Foto: Divulgação
Pular
X de 6
Publicidade 6 fotos
3 de 6
Espécie rara não era vista há 40 anos e foi reintroduzida às dunas do Peró,em Cabo Frio — Foto: Divulgação
4 de 6
Pesquisadores do Jardim Botânico do Rio trabalharam para reintroduzir espécie em Cabo Frio — Foto: Divulgação
Pular
X de 6
Publicidade
5 de 6
Pesquisadores do Jardim Botânico do Rio trabalham para reintroduzir espécie em Cabo Frio — Foto: Divulgação
6 de 6
Pesquisadores do Jardim Botânico do Rio trabalham para reintroduzir espécie em Cabo Frio — Foto: Divulgação
Pular
X de 6
Publicidade
O presidente da Sociedade Botânica Ucraniana,Sergei Mosyakin,disse que existem milhares de nomes de espécies de plantas com palavras que são ou podem ser consideradas ofensivas para alguns grupos de pessoas. Ele citou exemplos como "niger" (que significa preto em latim) e nomes derivados de Hottentot (um termo ofensivo para o povo Khoekhoe da África do Sul).
"Já há apelos para se livrar de qualquer nome com Hottentot,e isso é apenas o começo",disse Mosyakin.
O botânico Fred Barrie,do Museu Field em Chicago e membro do comitê editorial do Código Internacional de Nomenclatura para algas,fungos e plantas,concorda que a estabilidade é importante na nomenclatura botânica e adverte que mudar os nomes de milhares de espécies se tornará "um pesadelo impraticável". Mas ele diz acreditar que o caso "caffra" foi provavelmente um caso isolado e que os botânicos não correrão para mudar outros nomes em breve.
Mas o botânico Timothy Hammer,da Universidade de Adelaide,na Austrália,que foi coautor de uma proposta que buscava rejeitar todos os nomes ofensivos de plantas,planeja pressionar o caso no próximo congresso botânico em seis anos. Após o resultado deste ano,ele está confiante de que outros nomes de espécies que alguns cientistas consideram ofensivos serão alterados no futuro.
Um exemplo é Hibbertia,um gênero de plantas com flores nomeado em homenagem a George Hibbert,um comerciante inglês que escravizou pessoas. Hammer considera que continuar a homenagear pessoas como Hibbert é insensível. "Por que é aceitável manter esses nomes históricos pejorativos?",questionou.
Hammer também disse que as preocupações sobre confusão na nomenclatura foram exageradas. Muitos nomes foram e serão alterados por motivos científicos,ele disse,e o número de mudanças para remover nomes culturalmente insensíveis —e a consequente disrupção gerada— seria pequeno em comparação.
Para Barker,o botânico da Universidade de Pretória,o movimento para eliminar nomes científicos ofensivos ganhará mais adesão entre cientistas de países afetados pelo colonialismo. "É uma questão real para muitos que têm uma história de repressão."
Embora os nomes de plantas existentes possam ou não ser alterados após o próximo congresso botânico,uma clara maioria de votantes na reunião deste ano concordou que nomes científicos dados a espécies de plantas no futuro poderiam ser rejeitados se fossem pejorativos para um grupo de pessoas. Mas somente após 2025.