2024-08-28 HaiPress
Alta produtividade. “Acho que as músicas vêm do céu,mas é preciso buscar. Elas não vão cair na sua cabeça. É um esforço físico e intelectual”,diz Lô Borges — Foto: Divulgação/Flávio Charchar
GERADO EM: 28/08/2024 - 06:01
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Nascida em Brasília de pais mineiros,Manuela Costa estava em Belo Horizonte,em 2005,aos 21 anos,quando foi ao cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis,o ponto que inspirou o nome Clube da Esquina. Fez mais: foi ao apartamento da família Borges,ali perto,e Lô,um dos líderes do clube que mudou a música brasileira com o disco homônimo de 1972,estava lá. Aquela jovem é agora,aos 40,parceira de seu ídolo no novo álbum dele,“Tobogã”.
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Nos últimos anos,a médica Manuela vinha mandando mensagens para Lô (ou Salomão Borges Filho) com poemas. A amizade virtual se transformou num vínculo profissional.
— Ela me mandava poemas por e-mail e WhatsApp. Propus: “Vamos inverter o processo.” Passei a mandar melodias — conta Lô,por telefone,de Belo Horizonte. — Das 12 faixas do disco,ela escreveu oito letras para as minhas músicas e em quatro foi o contrário. Para uma letrista estreante,ela mandou muito bem. Minha aposta foi acertada.
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A primeira da dupla foi “Pouso da manhã”,gravada com participação da própria Manuela — a outra convidada do álbum é Fernanda Takai,na faixa-título e em “Amor real”. Embora nunca tivesse feito antes letras para melodias,ela diz que teve a tarefa facilitada pela forma com que Lô mandava os áudios,deixando muito claros o número de sílabas e a acentuação.
— Eu brincava que ele compunha em “marcianês”,na língua de Marte,e que eu era apenas uma tradutora — diz Manuela. — Acredito que as traduções tenham sido fiéis,porque,como fã,eu coloquei nelas todo o meu amor,o meu respeito e a minha gratidão pela obra dele.
Aos 72 anos de idade e 52 de carreira,Lô está com fôlego juvenil. “Tobogã” — mesmo nome do livro de memórias de seu pai — é o sexto álbum de inéditas nos últimos seis anos.
— Não sei o que acontece comigo. De 2003 para cá,minha produção é o dobro do que fiz no século XX. Aumentou especialmente a partir de 2019. Acho que as músicas vêm do céu,mas é preciso buscar. Elas não vão cair na sua cabeça. É um esforço físico e intelectual — afirma. — Se Neil Young,que é um dos meus ídolos,faz dois ou três discos num ano,dizem que ele é muito produtivo. Como sou brasileiro... “ih,lá vem aquele chato!”.
A fase intensa começou com “Rio da lua” (2019),de parcerias com Nelson Angelo. No ano seguinte,“Dínamo”,feito com Makely Ka. Na pandemia,a produtividade aumentou.
— Não ia ser negacionista e sair por aí. Fiquei em casa compondo o tempo todo — recorda.
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Lô diz ter mais álbuns de inéditas alinhavados,como “A estrada”,só de letras com seu irmão e parceiro mais constante,Márcio Borges — ele tem mais nove irmãos. E são repertórios de dez,12 canções,como se fazia antes das plataformas de áudio,quando se tornou comum lançar músicas separadamente.
— Cresci ouvindo discos inteiros,é a minha formação. E perdi a manha de fazer uma só. Falo com o parceiro: “Bora fazer mais nove” — explica.
O ponto de partida da carreira de Lô é “Para Lennon e McCartney”,composta com Márcio e com Fernando Brant e lançada por Milton Nascimento em 1970. Dois anos depois,ele,com apenas 20,virou o segundo nome mais importante do álbum duplo “Clube da Esquina” por decisão de Milton.
— Eu não era conhecido nem em Belo Horizonte. Ficava naquela esquina tocando Chico Buarque e Beatles. Milton me levou da esquina para o estúdio — lembra Lô,grato ao amigo dez anos mais velho. — Devo muito ao Milton. O aprendizado com a musicalidade,com a generosidade dele. É um cara muito especial,um irmão. Era o 12º irmão Borges.
'Tobogã',novo disco de Lô Borges — Foto: Divulgação
Ao ouvir composições presentes no “Clube da Esquina” como “Um girassol da cor do seu cabelo”,“Tudo que você podia ser”,“O trem azul” e “Paisagem da janela”,a gravadora Odeon reconheceu que o jovem tinha talento e lhe encomendou um disco solo para aquele mesmo 1972.
— Eu não tinha música,tinha gastado toda a minha produção de iniciante no “Clube” — conta. — Por irresponsabilidade,me senti desafiado. Eles esperavam canções solares e eu fiz um disco hermético,psicodélico,alternativo,lado B.
O LP ficou conhecido como “o disco do tênis”,por causa da foto de um tênis na capa. Apenas na década passada Lô fez shows com o repertório do álbum cultuado.
Além da velocidade com que compôs as músicas,há outro ponto que aproxima o disco de 1972 de “Tobogã”: o autor da foto da capa é o mesmo,Carlos da Silva Assunção Filho,o Cafi (1950-2019),também autor da imagem icônica de “Clube da Esquina”,com um menino negro ao lado de um menino branco. A foto de agora é de um Lô bem jovem,encontrada pelo compositor na internet.