2024-09-18 HaiPress
Terreirão do Samba ganha projeto de ocupação permanente — Foto: Arte
GERADO EM: 18/09/2024 - 04:30
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‘Adeus,minha Praça Onze,adeus /Já sabemos que vais desaparecer / Leva contigo a nossa recordação / Mas ficarás eternamente em nosso coração / E algum dia nova praça nós teremos / E o teu passado cantaremos”. Composto em tom de despedida para um reduto histórico da cidade,o samba “Praça Onze”,de 1941,assinado por Herivelto Martins e Grande Otelo,traz em sua letra uma profecia que pode estar prestes a se tornar realidade. Na semana passada,o Consórcio Praça XI venceu uma licitação para administrar por 25 anos (renováveis) o Terreirão do Samba,instalado em parte do que foi a antiga Praça Onze.
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Veja como ficará o novo Terreirão do Samba na Praça Onze
O projeto prevê a criação de uma cidade cenográfica que promete remeter ao casario antigo dos tempos em que a região se consagrou como berço do samba — para ficar apenas em um exemplo: ali morava a baiana Tia Ciata,em cujo quintal nasceu “Pelo telefone”,composição que é consagrada como o marco inicial do gênero.
Bares e restaurantes
Nesses novos espaços funcionarão bares e restaurantes,com rodas de samba. O plano prevê ainda a implantação de dois museus,inspirados,respectivamente,pelas histórias do samba carioca e da bossa nova.
— O Centro do Rio passa por um processo de reurbanização e têm surgido várias opções culturais e de lazer. Resgatar a Praça Onze original é um simbolismo muito forte nesse contexto. A gente quer abrir todos todos os dias da semana. E,com os museus e restaurantes,gerar público inclusive durante o dia. A facilidade de transportes,pela proximidade com o metrô,também vai ajudar —explicou o empresário Sávio Neves,um dos sócios do negócio.
Novo Terreirão — Foto: Divulgação
Sávio Neves acrescentou que os dois museus deverão ser incluídos numa espécie de combo com preços fixos para outras atrações das quais é sócio: o Trenzinho do Corcovado e o AquaRio.
A área total do projeto tem 12,3 mil metros quadrados. A previsão é que o novo Terreirão seja entregue no primeiro trimestre de 2026,mas as intervenções se darão por etapas,como explica Carlos Favoreto,sócio de Sávio:
— Para o próximo Carnaval,não é possível,por termos que resolver questões burocráticas. Falta formar a empresa que vai administrar a área. Além disso,o Inepac (órgão de preservação do governo do Estado) terá que ser consultado,porque o Terreirão é tombado. —O que vamos fazer até o próximo Carnaval é reformar as instalações existentes — acrescentou.
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Uma das ideias aventadas é convidar bares e restaurantes tradicionais para operar no Terreirão. Sobre o plano de uma cidade cenográfica,o ex-secretário municipal de Urbanismo e consultor do projeto,o arquiteto Sérgio Dias,detalhou algumas fontes de inspiração.
— A gente quer recriar ambientes que lembram casas noturnas como o antigo Zicartola (do sambista Cartola e sua mulher,dona Zica) e a gafieira Estudantina. Nos bares,os baluartes serão homenageados com rodas de samba.
Novo Terreirão — Foto: Divulgação
Fora do Carnaval,a proposta é trazer convidados para shows,em uma estrutura com camarotes nas laterais do palco.
Sérgio Dias acrescentou que vai pedir à prefeitura autorização para transferir para o meio do Terreirão um chafariz projetado no século XIX pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny,que no passado ficava na Praça Onze. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan),monumento em cantaria,bronze e ferro tem no pedestal quatro carrancas de cabeça de leão e está instalado hoje na Praça Afonso Viseu,no Alto da Boa Vista. Dias também estuda a possibilidade de instalar uma réplica no local.
O contrato de concessão,que será assinado no dia 15 de outubro,também garante o uso do espaço à Associação Cultural e Recreativa Terreirão do Samba,responsável pela gestão da área durante o carnaval. Muitos dos barraqueiros da Associação são parentes de antigos sambistas,como o lendário mestre-sala Delegado,já falecido. Seu filho hoje administra uma barraca:
— Desde 1991,o movimento caiu muito. Esse carnaval foi o pior. O público tem mudado e é difícil definir uma programação que agrade a todos. A gente torce para que o projeto dê certo — diz o produtor artístico Bira de Jesus,neto da cantora Clementina de Jesus.
O historiador Luiz Antonio Simas diz que o samba sempre dialogou com manifestações contemporâneas.
— O Terreirão é um equipamento subutilizado.. O projeto tem que ser feito em diálogo com sambistas para que a coisa não se transforme em produto destituído de vivência,voltado apenas para o aspecto financeiro —avalia Simas.
Já houve várias tentativas de se aproveitar o terreirão de forma mais apropriada,com um calendário de eventos permanente,sem sucesso. Em um dessas iniciativas,em abril de 2019,a estudante Maria Fernanda Ferreira de Lima,de 20 anos,morreu eletrocutada ao tocar em uma barra de ferro. O espaço estava alugado para um show de funk.
O mítico bairro original ficava no entorno da chamada Praça Onze de Junho,batizada com a data da vitória brasileira na Batalha do Riachuelo,na Guerra do Paraguai (1864-1870). Seus domínios incluíam o Estácio,onde foi fundada a primeira escola de samba,a Deixa Falar (1928),e o trajeto dos primeiros desfiles,que aconteceram por lá de 1932 a 1942. No trecho da Avenida Presidente Vargas em que hoje está o monumento a Zumbi dos Palmares ficava a balança de veículos de carga onde os pioneiros bambas se encontravam para rodas de batucada.