2024-11-19 HaiPress
Estação de tratamento em Jundiaí (SP) — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
GERADO EM: 18/11/2024 - 19:32
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Sanear é tornar são,habitável,respirável. Saneamento tem,lexicamente,essa significação. Ganhou significado político-administrativo na medida em que ficou vinculado à ideia de gestos governativos que objetivem proporcionar condições dignas de vida aos cidadãos,para que não fiquem sujeitos às doenças derivadas da não entrega de água pura e da não coleta e tratamento de esgotos.
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De logo se verifica que vários dispositivos constitucionais são aplicáveis. Primeiro,a dignidade da pessoa humana (Constituição Federal,artigo 1º,III). A Constituição determina tratamento digno às pessoas. Será digna a medida governamental que submete seus nacionais à inexistência de saneamento? Não. A falta de saneamento é tratamento indigno dado aos indivíduos.
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Segundo,são preceitos da Constituição “erradicar a pobreza”,“reduzir as desigualdades sociais” e “promover o bem-estar de todos” como está escrito em seu artigo 3º,III e IV. Falta de saneamento cumpre esses preceitos? Absolutamente não! Saneamento é direito de todos e dever do Estado,além de ser um dos pressupostos para a boa saúde. A ausência de saneamento é prejudicial à saúde e,portanto,contraria a Constituição. Políticas governamentais que não prestigiem o saneamento básico ou imponham medidas que o onerem são impróprias.
A esta altura. o leitor estará perguntando: por que essa digressão sobre os princípios constitucionais se o tema diz respeito à reforma tributária? E aqui devo declarar que a reforma aumentará a carga fiscal do saneamento básico para aproximadamente 26,5%,em contraste com os atuais 9,74%. A diferença gerará incremento de 18% nas tarifas.
Sabidamente,esse percentual acrescido será pago pelo consumidor. O que poderá acontecer? Aumentará a busca por soluções ambientalmente inadequadas de abastecimento de água e esgotamento sanitário,como fossas,despejos em rios e valas. Ou seja: meio ambiente desequilibrado e vida indigna para os indivíduos.
Impressiona-me dado que obtive: 330 mil internações anuais por doenças relacionadas à falta de saneamento; R$ 740 milhões com as internações. A universalização do saneamento proporcionaria,até 2040,economia de R$ 25 bilhões,além da melhoria das condições de vida da população. No contexto em que 15 % dos brasileiros não têm acesso a abastecimento de água,44% não têm coleta de esgoto e,daquele esgoto coletado,48% não é tratado,o saneamento deve ser incentivado,e não desestimulado.
Já é possível perceber do que se está a tratar: é sugerir o não aumento da carga tributária do saneamento básico e mantê-la no percentual atual: 9,74%. É possível fazê-lo? Sim. Para tanto,é preciso tratar,na reforma tributária,saneamento básico como aquilo que realmente é: um serviço e uma política de saúde pública. É constitucional fazê-lo por meio de Lei Complementar? Por tudo o que está escrito neste artigo,sim.
O detalhamento em lei daquilo a que a Constituição apenas faz referência,“serviços de saúde”,é parte do caráter regulamentador da legislação infraconstitucional. Convém realizá-lo? A resposta é também afirmativa. Isso,na verdade,para dar cumprimento aos preceitos constitucionais,direta ou indiretamente.
Há argumentos suficientes,de ordem constitucional,ética e moral,para até zerar a carga tributária hoje incidente sobre os serviços de saneamento básico,tamanha sua importância e essencialidade. Estar-se-ia a seguir o bom exemplo de países mais desenvolvidos,onde a alíquota zero para o saneamento,mesmo já alcançada a universalização dos serviços,é realidade.
Daí por que é fundamental reconhecer,na regulamentação da reforma tributária,que saneamento é saúde e não elevar a carga fiscal do setor. Cumprir-se-ão,com isso,os objetivos constitucionais imperativos aqui antes relatados.
*Michel Temer é ex-presidente da República