2024-12-01 HaiPress
Interior de avião da Lufthansa após severa turbulência na quinta-feira — Foto: Reprodução/Twitter
GERADO EM: 30/11/2024 - 18:36
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Em janeiro passado,Shandy Brewer embarcou em um voo da Alaska Airlines de Portland,no estado americano do Oregon,para Ontario,na Califórnia,a caminho da festa de aniversário de sua avó. Ela estava sentada na 11ª fileira,entre seu pai e uma outra pessoa.
Pouco depois da decolagem,Shandy e os outros passageiros ouviram um estrondo. Ela não conseguia ver que,15 fileiras atrás,uma das portas do avião havia se soltado,expondo os passageiros ao ar livre a 16 mil pés (cerca de 5 km) de altitude.
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As máscaras de oxigênio caíram do teto e os passageiros começaram a rezar. Ela pensou que o avião iria cair. Enquanto a aeronave fazia um pouso de emergência em Oregon,Shandy abraçou o pai e a pessoa ao lado,desejando poder gravar um vídeo para se despedir da mãe.
Quase onze meses depois,o sofrimento mental causado por menos de 20 minutos de pânico no ar é uma forma própria de ferimento,disse ela,agora com 30 anos:
— As pessoas dizem: "Ninguém morreu nesse voo". Mas poderíamos ter morrido.
Hoje,ela faz terapia e pratica exercícios de respiração,mas ainda tem pesadelos recorrentes nos quais está em um helicóptero sem portas ou estrutura,segurando-se ao assento para não ser arremessada para o céu. Ela também se assusta com barulhos altos. No dia da independência americana,em 4 de julho,o som dos fogos de artifício a fez sentir “pânico extremo”,e ela precisou se esconder dentro de casa.
— Há uma nuvem sobre mim o tempo todo,lembrando-me de que posso morrer a qualquer segundo — disse ela.
Shandy Brewer,que estava no voo da Alaska que teve a porta perdida a 5 km de altura — Foto: Clayton Cotterell / NYT
Quando as pessoas falam sobre medo de voar,frequentemente são lembradas de que aviões são bastante seguros. De acordo com uma análise de 2022 sobre a segurança da aviação comercial realizada pelas Academias Nacionais de Ciências,Engenharia e Medicina dos Estados Unidos,“houve uma redução significativa e sustentada nos acidentes aéreos no país nas últimas duas décadas”. A análise constatou que a segurança dos voos “melhorou mais de quarenta vezes”.
Mas estatísticas pouco importam para uma mente que não consegue parar de reviver um evento traumático,especialmente quando emergências continuam aparecendo nas notícias.
— Muitas pessoas desenvolvem ansiedade significativa após esses incidentes. Isso deixa de ser apenas algo que aconteceu e passa a moldar a forma como pensam sobre o mundo,especialmente sobre voar — disse Rebecca B. Skolnick,psicóloga clínica e professora adjunta na Escola de Medicina Icahn no Mount Sinai.
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Shandy e mais de 30 outros passageiros do voo da Alaska Airlines estão processando a companhia aérea e a Boeing,fabricante da aeronave,alegando “estresse severo,ansiedade,trauma,dor física,flashbacks,medo de voar e manifestações físicas objetivas como insônia,transtorno de estresse pós-traumático,perda auditiva e outras lesões”.
Segundo a ação judicial,um dos demandantes enviou uma mensagem de texto para a mãe,acreditando,assim como Shandy,que o avião estava caindo: “Estamos com máscaras. Eu te amo",dizia o recado.
No último ano,a indústria aérea esteve sob escrutínio devido a diversos problemas de segurança em voos,como aviões saindo da pista,vazamentos hidráulicos e pneus se desprendendo — todos com passageiros a bordo.
Em maio,um passageiro morreu e 83 ficaram feridos quando um voo da Singapore Airlines enfrentou turbulência severa,forçando um pouso de emergência. Em julho,um voo que saiu da Espanha para o Uruguai precisou fazer um pouso de emergência em Natal,deixando 40 passageiros hospitalizados após a turbulência.
Turbulências extremas,que exigem hospitalização,são relativamente raras. Segundo a Administração Federal de Aviação dos EUA,em 2023 houve 20 relatos de ferimentos graves causados por turbulência.
No entanto,pesquisas sobre mudanças climáticas sugerem que a turbulência vai piorar devido ao aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Um estudo de 2023 publicado na revista Geophysical Research Letters revelou que a turbulência severa ou maior aumentou 55% entre 1979 e 2020.
Em março,o motor de um avião que viajava de Houston para Fort Myers,Flórida,pegou fogo sobre o Golfo do México. O avião pousou em segurança,mas Dorian Cerda,de 28 anos,que estava sentado perto da janela — próximo o suficiente para sentir o calor do fogo —,disse que a experiência o marcou. Durante o voo,aguardando tenso por uma explosão que nunca aconteceu,ele gravou um vídeo para sua esposa e filhos pequenos,dizendo que os amava.
Dorian Cerda,que ainda vive o trauma de um incidente aéreo — Foto: Saul Martinez / NYT
Agora,Cerda diz que o incidente está “sempre presente em meus pensamentos” ao considerar viajar,especialmente por ter uma família jovem para sustentar. Ele se tornou mais preocupado,temendo que algo assim aconteça novamente.
— Já estive em cinco aviões,e um deles pegou fogo. Minhas chances são de 20%. Eu não arriscaria minha vida com uma probabilidade de 20%. Eu sobrevivi,mas minha vida foi afetada — afirmou.
Martin Seif,psicólogo clínico e especialista no tratamento de ansiedade relacionada a voos,explica que muitos temem o que pode acontecer — ou acontecer de novo — mesmo que a lógica indique o contrário.
— Não há diferença entre sentir ansiedade e sentir que você está realmente em perigo. Na neurologia da ansiedade,a amígdala é ativada,e pensamentos ou narrativas mantêm a ansiedade. Nesse estado alterado de consciência,esses pensamentos parecem muito prováveis — diz.
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Avião cai sobre casa em Goiás — Foto: Reprodução
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Avião caiu sobre casas em Belo Horizonte — Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros MG
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Avião usa paraquedas para amortecer queda em MG — Foto: Reprodução/Redes sociais
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Acidente aéreo deixa irmã de piloto morta em Goiânia — Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros de Goiás
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Avião cai em bananal na cidade catarinense de Corupá — Foto: Polícia Militar/Divulgação
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Em um mês,pelo menos oito aeronaves caíram no país
A psicóloga Rebecca Skolnick acrescenta que evitar viagens aéreas “mantém o medo,porque ensina o cérebro que voar é perigoso.” Para alguns,até mesmo arrumar as malas ou pesquisar passagens online pode causar ansiedade.
Há pesquisas sobre como experiências traumáticas em voos afetam a saúde mental,especialmente em sobreviventes de quedas de aviões. Um estudo de 2016 descobriu que 47% dos sobreviventes de um acidente aéreo estavam em risco de desenvolver transtorno de estrersse pós-traumático e 35% apresentavam risco de depressão nove meses após o incidente.
Já um estudo de 2013 revelou que 78% dos participantes mostraram sintomas emocionais,como hipervigilância e dificuldade para dormir,após sobreviverem a um acidente.
No entanto,os danos sofridos por passageiros que vivenciaram emergências em voo — mas não caíram — ainda são pouco pesquisados ou reconhecidos. Após o motor do avião de Cerda pegar fogo,a companhia aérea lhe ofereceu um vale-refeição de US$ 15.
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Nem a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA) nem o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes do país têm políticas ou recomendações sobre a saúde mental dos passageiros após emergências.
Mina Kaji,especialista em assuntos públicos da FAA,afirmou que a “principal prioridade da agência é promover a segurança do sistema de aviação do país”:
— Somos continuamente proativos,consistentes e deliberados na execução de nossas responsabilidades para com o público americano.
Eileen Rodriguez é comissária de bordo há 38 anos e ocupa o cargo de coordenadora de gestão de estresse pós-incidente crítico no sindicato de trabalhadores do transporte Local 556,que representa milhares de comissários da Southwest Airlines.
Quando ocorre uma emergência em voo,Eileen entra em contato com os comissários em poucas horas para oferecer suporte.
— Nós vivenciamos eventos horríveis. Pode levar tempo e muito apoio para superar isso.
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As portas do antigo A320 da Etihad ainda funcionam: avião desativado virou opção de hospedagem em camping no País de Gales — Foto: Reprodução / Apple Camping
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Na parte da frente,a cabine do piloto do antigo avião foi substituída por uma espaçosa varanda — Foto: Reprodução / Apple Camping
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A cozinha do avião desativado está operacional,com pia,geladeira e micro-ondas — Foto: Reprodução / Apple Camping
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O interior do Apple Airbus,um antigo avião desativado que virou opção de hospedagem por temporada no País de Gales,Reino Unido — Foto: Reprodução / Apple Camping
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Plantas ocupam o lugar das malas nos compartimentos superiores do avião desativado — Foto: Reprodução / Apple Camping
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Caixa da Air France pode ser vista na cozinha do antigo avião,que fez parte da frota da Etihad — Foto: Reprodução / Apple Camping
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O banheiro do avião desativado foi adaptado,mas continua apertado — Foto: Reprodução / Apple Camping
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Vista do salão do Apple Airbus,opção de hospedagem criada a partir de um avião desativado,no Apple Camping,no País de Gales — Foto: Reprodução/ Apple Camping
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O avião,que podia transportar até 165 passageiros quando fazia parte da frota da Etihad,agora comporta apenas quatro hóspedes no máximo — Foto: Reprodução / Apple Camping
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Sofá confortável e janelas originais para garantir a iluminação natural durante o dia — Foto: Reprodução / Apple Camping
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Publicidade Antigo A320 da Etihad tem diárias a partir de quase R$ 1.300
No início de sua carreira,Eileen trabalhava na American Airlines. Durante um voo turbulento,sofreu lesões na cabeça,nas costas e quebrou o pé. Após a recuperação física,voltou a trabalhar para uma subsidiária da companhia.
Menos de um ano depois,como única comissária em um pequeno avião turboélice,passou por um pouso de emergência. Ela tirou seis meses de licença para fazer terapia e lidar com o medo de voar que havia desenvolvido. Eventualmente,retornou ao trabalho,mas a transição não foi simples.
— A ansiedade era muito alta para mim. Qualquer pequeno solavanco,ruído ou coisa desconhecida me deixava assustada — relatou.
Eileen destacou que o tipo de apoio psicológico oferecido hoje pelos sindicatos de comissários teria ajudado muito naquela época.
— Nós sentimos as mesmas coisas que os passageiros
Eileen Rodriguez,comissária de bordo
Heather Healy,diretora do programa de assistência aos funcionários da Associação dos Comissários de Bordo,explicou que o público,muitas vezes,acredita erroneamente que os comissários são imunes ao trauma emocional causado por voos. Com o tempo,eventos repetidos podem agravar o impacto de experiências assustadoras,como acontece com qualquer pessoa.
— Em vez de ver cada incidente como algo que reforça sua armadura,veja como algo que cria fissuras nela — disse Heather.
Enquanto trabalhadores de emergência,como paramédicos e policiais,frequentemente recebem ambientes alternativos para se recuperarem após incidentes traumáticos,Healy ressaltou que comissários não têm o mesmo protocolo de recuperação.
— Ou você volta para o avião ou não.
Para algumas pessoas,o trauma persiste por anos,tanto dentro quanto fora dos aviões. Em 2016,Emma Lazaroff estava em um voo de Boston para Chicago quando a aeronave ficou às escuras. Pelo interfone,o piloto pediu urgentemente que os comissários se sentassem,e o avião começou a tremer e fazer barulhos altos. Parecia que estava em queda livre.
— Fomos arremessados contra os assentos. Bagagens espalhadas pela cabine. Todo mundo achou que ia morrer — disse Emma. Após cerca de cinco minutos de caos,o avião subiu novamente,revelando um pôr do sol no céu escuro. O voo pousou em segurança.
Emma,agora com 32 anos,nunca soube o que causou o incidente — o piloto não informou os passageiros,e a companhia aérea não respondeu. No entanto,as repercussões foram graves e duradouras. Pouco depois,ela começou a ter ataques de pânico,relembrar a cena,pesadelos e náuseas,sintomas que persistem até hoje.
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Em 2023,foi diagnosticada com TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Um medicamento a ajuda durante os voos.
— Estou muito mais irritada no geral. Tenho uma reação de susto exagerada. Se alguém coloca um copo na mesa,eu grito — ela diz.
Jacob Morton,35 anos,descreve um voo de St. Louis para Los Angeles,também em 2016,como algo “gravado em minha mente”. Minutos após a decolagem,ouviu um barulho semelhante a uma explosão.
Com formação em engenharia aeroespacial e experiência em design de aeronaves,adivinhou corretamente que o avião havia atingido um pássaro. Apesar de saber que isso é um evento manejável pelos pilotos,o motor parou,e ele sentiu cheiro de fumaça. Quando o piloto ordenou a posição de impacto,todos entraram em pânico,inclusive Jacob.
— Desde então,agarro o assento e fico tenso em toda decolagem. Eu apenas aperto os dentes e aguento — explicou. Ele monitora a velocidade e altitude como forma de conforto,mas isso é tudo o que consegue fazer.
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Marna Gatlin,de 61 anos,voa desde a infância,pois seu avô era piloto e sobreviveu a um acidente aéreo. No entanto,dois incidentes nos seus 20 anos a fizeram perder o gosto por voar: uma turbulência extrema e um problema no sistema hidráulico que levou o piloto a instruir os passageiros a assumir a posição de impacto. O pouso foi “rápido e duro”,mas seguro. Mas os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 agravaram seu medo.
— Isso trouxe uma nova barreira psicológica de ansiedade para mim. Eu parei de voar — disse Marna. Não querendo que seu filho herdasse o trauma,ela fez terapia em 2008 para viajar com a família até San Francisco. Estava aterrorizada,mas conseguiu.
Marna tentou diversas terapias ao longo dos anos,incluindo hipnose e um programa para fóbicos de voo que não conseguiu concluir porque exigia embarcar em um voo curto. Até consultou uma vidente,que disse que ela havia sofrido um acidente aéreo em uma vida passada.
— Gostaria de dizer que estou muito melhor,mas não estou — confessou.
Ela agora voa ocasionalmente,mas sem conforto,graças a seu próprio método: toma remédios antes de ir ao aeroporto e faz exercícios de respiração no avião. Reserva sempre o voo mais cedo possível,pois há menos turbulência pela manhã,e passa o primeiro dia no destino descansando no hotel.
— Fico emocionalmente esgotada. E essa é a natureza da fera — diz.
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