2024-12-04 HaiPress
O repórter Maurício Kubrusly,diagnosticado com demência frontotemporal — Foto: Reprodução/Instagram
GERADO EM: 03/12/2024 - 13:59
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O jornalista Maurício Kubrusly tornou-se célebre pelas reportagens irreverentes gravadas nos quatro cantos do país para o quadro “Me leva Brasil”,exibido pelo “Fantástico” ente 2000 e 2017. O carisma do jornalista era tamanho que é difícil acreditar que ele resistiu a estrear na TV. Essa é uma das revelações do documentário “Kubrusly: mistério sempre há de pintar por aí”,que passa em revista a trajetória do repórter e chega ao Globoplay nesta quarta-feira (4).
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Num depoimento ao projeto Memória Globo,recuperado pelo documentário (que tem direção de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki),Kubrusly conta que quando foi convidado para trabalhar na TV não tinha sequer um aparelho em casa. “Eu não sabia nada de televisão. Eu não tinha o hábito de ver televisão”,diz ele,que começou fazendo comentários musicais na TV Globo e na TV Cultura. Desde a década anterior,ele já se destacava como um dos mais antenados críticos de música de sua geração. Não à toa,o subtítulo do filme é um verso da canção “Esotérico”,de Gilberto Gil.
O documentário traz a primeira reportagem de Kubrusly para a TV,exibida em 1985. O tema era o espetáculo “Ubu,Folias Physicas,Pataphysicas e Musicaes”,inspirado nas peças do “ciclo Ubu”,do francês Alfred Jarry (autor de “Ubu rei”). Produzida pelo Grupo Ornitorrinco,com direção de Cacá Rosset e cenografia de Lina Bo Bardi (a arquiteta que projetou o Masp),o espetáculo tinha no elenco nomes como Rosi Campos,Angela Dipp e o próprio Rosset,que interpretava o Pai Ubu.
Confira a primeira matéria feita por Maurício Kubrusly na televisão
Nesta primeira reportagem,Kubrusly já esbanjava irreverência. Ao anunciar o nome da peça,ele faz cara de dúvida e repete para a câmera: “Pataphysicas?”. Como se fosse ele próprio um ator,o repórter se mete numa briga entre o Pai Ubu e a Mãe Ubu (Rosi Campos). Em depoimento ao documentário,Rosset diz que,naquela gravação,farejou o “talento de ator” do jornalista e o convidou para participar de um espetáculo do grupo. “Pena que não pode fazer”,lamenta Rosset.
Evelyn Kuriki descreve essa primeira reportagem de Kubrusly como “um primor”,“podia ir ao ar hoje”
— É uma coisa genial. Ele está ali como repórter,mas interage como se fosse ator no meio de bolas de fogo,entra numa briga,quase recebe uns tabefes,tudo ensaiado,dirigido — diz ela,que também assina o roteiro do documentário. — Aquela figura do repórter “participativo” está ali,mas não é gratuita,é puro repertório. E foi só a primeira reportagem dele,um pioneiro de um estilo que depois ele até abandonaria,porque passou a ser comum.
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Evelyn acrescenta que Kubrusly “lapidou o que tinha de melhor: a linguagem,o texto de TV,a rapidez da abordagem”.
— Ele encontrou no “Me Leva Brasil” um campo vasto para empregar tudo isso em matérias engraçadas,populares,que deram protagonismo a personagens muito brasileiros.
Diagnosticado com demência frontotemporal,Kubrusly está afastado da TV desde 2019 e vive com a esposa,a arquiteta Beatriz Goulart,no Sul da Bahia. Mês passado,ele compareceu à 11ª Mostra de Cinema de Gostoso,onde o filme foi exibido pela primeira vez. O jornalista subiu ao palco para ser homenageado e foi aplaudido de pé pelo público.
Durante o festival Beatriz contou ao GLOBO que Kubrusly gostou de se ver na tela e a abraçou bem forte durante a exibição. Ela disse que,vendo o filme,foi duro constatar a piora no estado de saúde do marido,ocorrida nos meses que separaram a gravação (no fim do ano passado) e a estreia. Ele,que já havia perdido a capacidade de ler e escrever,tem falado cada vez menos nos últimos tempos. Beatriz disse ainda que optou por tornar público o diagnóstico de Kubrusly porque o cuidado dos pacientes com demência é um “problema coletivo”.
— A gente não sabe falar sobre demência,não sabe falar sobre a morte,tem vergonha,diz que é para preservar a privacidade das pessoas. Mas eu só penso naquela pichação que fizeram na Rio-92 quando o cacique Raoni e Sting se encontraram: “Ou a gente se Raoni ou a gente se Sting”.