2024-12-10 HaiPress
Bandeira associada à oposição síria é erguida na embaixada do país em Moscou — Foto: Andrey BORODULIN / AFP
GERADO EM: 09/12/2024 - 17:02
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Um dia depois da derrubada relâmpago de Bashar al-Assad na Síria,um dos principais jornais da Rússia,o Kommersant,estampava em sua capa que Moscou “perdeu um importante aliado no Oriente Médio”. Mais do que uma parceria criada na Guerra Fria,a Síria de Assad foi por muito tempo símbolo de uma Rússia global e bem-sucedida,e a queda do regime pode significar um dos mais duros golpes ao plano do presidente Vladimir Putin de incluir seu país no rol das grandes potências.
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O grande passo de Putin rumo à Síria veio em 2015,quando decidiu lançar uma operação militar contra o grupo terrorista Estado Islâmico,mas que sublinarmente era uma forma de manter Assad no poder e blindá-lo da Primavera Árabe. Os bombardeios de áreas controladas por extremistas e opositores do regime de Damasco eram apresentados como um exemplo da capacidade russa de projetar seu poder para além do espaço da antiga União Soviética (URSS). E a causa da luta contra o terrorismo serviu para amenizar as críticas pela anexação da Crimeia,ocorrida um ano antes.
“Ao enviar tropas para a Síria,Putin resolveu três problemas: sair do isolamento pós-Crimeia,regressar ao Oriente Médio,onde Moscou perdeu influência após o colapso da URSS,e colocar a Rússia no mapa como um força que pode impedir a mudança de regime e apoiar um aliado em qualquer lugar do mundo”,escreveu,em artigo publicado no portal Meduza,Alexander Baunov,pesquisador do Centro Carnegie Berlin para Estudos Russos e Eurasiáticos.
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Além colher os louros políticos da vitória,Putin obteve resultados práticos. Nos anos seguintes,foram firmados acordos de concessão,por 49 anos,da base naval de Tartus,operada por Moscou desde os anos 1970,e da base aérea de Hmeimim,construída em Latakia,e que foi usada pelo líder russo como cenário para anunciar a “vitória” sobre os extremistas,em dezembro de 2017.
— Sim,a ameaça do terrorismo ao redor do mundo ainda é muito alta. No entanto,a tarefa de combater os grupos armados aqui na Síria,o objetivo que precisava ser abordado com a ajuda do uso em larga escala das forças armadas,foi amplamente resolvida,e brilhantemente resolvida — disse o líder russo. — Se os terroristas levantarem suas cabeças novamente,nós os atacaremos de forma sem precedentes,diferente de tudo que eles já viram.
Presidentes da Rússia,Vladimir Putin (D),e da Síria,Bashar al-Assad,durante reunião em Damasco — Foto: Alexey DRUZHININ / SPUTNIK / AFP
Embora sem o mesmo contingente dos tempos da operação militar,as duas bases têm recursos nada desprezíveis,e se tornaram cruciais para os planos russos de retomar a influência na África e Oriente Médio. De Hmeimim partem voos em direção a aliados de Moscou,como a República Centro-Africana e Burkina Faso,levando a bordo armas e suprimentos. Já Tartus é um posto avançado para a esquadra russa no Mediterrãneo,servindo como porto de reabastecimento e manutenção.
— Se a Rússia perder a Síria,então esta será a perda de uma ponte militar e política no Mediterrâneo e no Oriente Médio,com a qual os czares russos sonharam e a URSS realizou — disse o historiador militar David Gendelman,em entrevista ao site Novaya Gazeta Europa. — E a perda de um canal logístico militar para a expansão russa na África.
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Imediatamente após a queda de Assad,o Kremlin abriu canais de negociação com os grupos que devem comandar a Síria,deixando claro que sua prioridade é manter as bases.
— Agora haverá um período muito complexo devido à instabilidade — disse Dmitri Peskov,porta-voz da Presidência,que ao ser questionado sobre oque aconteceria com as bases,acrescentou: — É muito cedo para dizer. Este é um assunto para discussão com quem quer que esteja no poder na Síria.
Segundo o jornal Guardian,citando fontes no governo russo,os líderes da oposição deram garantias de segurança às instalações militares e diplomáticas — após o fim do regime,a embaixada russa em Damasco foi preservada,e os rebeldes dizem “não ter planos” para atacar Tartus e Hmeimim. A imprensa oficial também passou a chamar o grupo Hayat Tahrir al-Shams (HTS),que liderou o levante,de “oposição armada”. Até meados da semana passada,o termo usado era “terrorista”.
— Presumo que a Rússia queira manter bases se puder por meio de negociações — disse Dara Massicot,pesquisadora do Fundo Carnegie para a Paz Internacional,em entrevista ao Guardian. — Recursos que eles podem oferecer: dinheiro,escambo,petróleo e gás,mercenários limitados. O que importa é se a coalizão síria aceitaria algo deles.
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Em um relatório emitido no domingo,o Instituto para o Estudo da Guerra,sediado em Washington,destaca que mesmo que a Rússia consiga manter as duas bases,a queda de Assad marcou uma “grande perda geopolítica para Moscou,pois a presença contínua da Rússia na Síria estará à mercê de grupos de oposição sírios”. Ao fornecer um apoio quase simbólico e ineficaz a um aliado de longa data,a Rússia expôs ainda os limites aos seus planos de ser uma potência global.
Imagem de satélite da base naval de Tartus,na Síria — Foto: AFP PHOTO / PLANET LABS PBC
Hoje,como pontuou Alexander Baunov no artigo ao portal Meduza,o grande objetivo de Putin é vencer a guerra na Ucrânia,e ele tem destinado todos seus recursos para isso. Mas a forma como caiu Assad,praticamente “jogado debaixo do ônibus”,segundo definição de um analista da rede Sky News,acende alertas entre os muitos aliados e clientes de Moscou.
Afinal,quais seriam as vantagens de se estabelecer uma relação com uma potência que não é capaz de sustentar compromissos e que hoje está imersa em um conflito que drena todos seus recursos e atenções? Para Hamidreza Azizi,pesquisador do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança,a queda de Assad pode fazer com que atores em regiões como a América Latina e a África “comecem a repensar seus laços e sua dependência da Rússia”.
— De que serve a Rússia como parceira se ela não consegue salvar seu cliente mais antigo no Oriente Médio de um bando desorganizado de milícias? — questionou,em entrevista ao New York Times,Eugene Rumer,ex-integrante do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. —Além do revés operacional,é também um golpe diplomático e de reputação.
Ao menos internamente,a mídia estatal russa tenta transferir a culpa pela queda do regime ao próprio Assad. No domingo,o apresentador e propagandista Yevgeny Kiselev disse ser um “mistério” o avanço dos opositores ter acontecido de forma tão rápida “apesar de [tropas do governo] estarem melhor equipadas e superarem em número o lado invasor muitas vezes”. Em artigo no portal da agência RIA,Irina Alksnis disse que “a Rússia age exclusivamente de forma pragmática,concentrando-se apenas em suas próprias prioridades",e que “não assume mais responsabilidade pelo destino dos outros".
Apesar de ter recebido asilo na Rússia por “questões humanitárias”,o caminho de Bashar al-Assad em terras russas não deve ter o mesmo glamour de outros tempos. Segundo o Kremlin,não há planos para um encontro com Putin,e blogueiros militares já o citam como um líder fraco e que não foi capaz de conter os rebeldes. Não está claro se Assad terá algum papel nas discussões para o futuro do país ou sobre a manutenção das bases sob controle russo.
“Bashar al-Assad fugiu covardemente do país,abandonando tudo e todos… Até Saddam Hussein (ex-ditador do Iraque) teve a coragem,quando tudo acabou,de se dirigir à nação”,escreveu Rybar,uma conta ligada indiretamente ao Ministério da Defesa russo,no X.
Ironicamente,o próprio Assad disse,em mensagem a Putin em 2014,que não fugiria em meio à guerra,e que não era um novo Viktor Yanukovich,se referindo ao presidente ucraniano que deixou o país em meio a protestos contra o seu governo,e que agora lhe fará “companhia” no exílio na Rússia.