2025-01-11 IDOPRESS
A comercialização do Jaé,novo cartão criado pela prefeitura: sistema já opera nos ônibus municipais — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo
GERADO EM: 10/01/2025 - 21:03
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Controlada historicamente pelos empresários de ônibus,a bilhetagem eletrônica nos transportes públicos do Rio foi nas últimas décadas um vespeiro cercado de questionamentos e denúncias de corrupção,algumas delas judicializadas. A gestão desse sistema,que apenas em 2023 movimentou R$ 5,7 bilhões em tarifas pagas pelos passageiros,voltou aos holofotes na última quarta-feira,após o prefeito Eduardo Paes acusar os empresários do setor de atuarem de forma “mafiosa”.
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O prefeito decidiu criar o sistema próprio de bilhetagem pouco após assumir seu terceiro mandato. Com subsídios bilionários do município para garantir o pagamento de gratuidades sem aumentar explosivamente o preço dos ônibus,Paes definiu que era hora de ter controle do processo de arrecadação e distribuição dos recursos das passagens. Em 2023,licitou o Jaé para a iniciativa privada,estabelecendo como pré-requisito a proibição de empresários de ônibus participarem da gestão.
Mas,como milhares de pessoas dependem também dos serviços estaduais,como trens,metrô,barcas e ônibus intermunicipais,a população seguiu usando de forma amplamente majoritária o Riocard,o cartão aceito nesses meios de transporte. Este,no entanto,é gerido pelas empresas de ônibus,cabendo a elas recolher e,depois,dividir a receita entre os diferentes modais.
Sem integração entre os modais municipais e estaduais,Riocard e Jaé convivem nos sistemas de transporte do Rio — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo
Enquanto isso,a disputa entre a prefeitura e a Riocard envolveu uma guerra de liminares que atrasou a licitação do Jaé em pelo menos um ano. O edital foi questionado por impedir explicitamente a participação da empresa de bilhetagem. Em nota,além de afirmar que opera legalmente o sistema,a Riocard diz que jamais tentou suspender o processo de concorrência do novo cartão. Mas,“visando ao interesse público,buscou apenas o direito legítimo de participar da disputa,como chegou a ser reconhecido pela Justiça”.
Vencida essa etapa e com contrato assinado para implementar o Jaé,apareceram mais obstáculos. Uma das obrigações da CBD Bilhete Digital,que venceu a concorrência da prefeitura,era fornecer validadores para poder ativar o Jaé no transporte municipal. A tecnologia permite controlar em tempo real a receita e a quantidade de passageiros por linha,o que não ocorre com a Riocard,de acordo com a secretária municipal de Transportes,Maína Celidonio. Como os consórcios que operam os ônibus alegaram que o custo de instalação não era previsto nos contratos de concessão,a prefeitura decidiu pagar R$ 8,9 milhões à CDB para instalar os equipamentos em todos os veículos,postergando ainda mais o processo.
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Nesta semana,para reiterar seus argumentos de que não há transparência na gestão da Riocard,o prefeito chegou a afirmar que estava “tirando da mão dos empresários de ônibus,as raposas,a possibilidade de cuidarem do galinheiro”. Do outro lado de cabo de guerra,a empresa garante,em nota,seguir a legislação vigente e as determinações do poder concedente,e que age com transparência na publicação de suas informações operacionais e financeiras.
As declarações de Paes ocorreram na última quarta-feira,quando ele anunciou o adiamento de fevereiro para julho do uso exclusivo do Jaé nos modais municipais. Além da baixa adesão da população ao novo cartão (menos de 4% dos passageiros),um entrave chave para a decisão foi a falta de integração do sistema nos transportes concedidos pelo governo fluminense,barcas e linhas intermunicipais de ônibus. Limitação que afetaria,entre outros,os usuários do Bilhete Único Intermunicipal (BUI),benefício social concedido pelo estado para descontos nas tarifas.
Ao longo dos anos,o Ministério Público do Rio e a Defensoria Pública tentaram retirar da Fetranspor e da Riocard a administração do bilhete único do estado. Sem obter sucesso,uma ação de 2017 alegava que a gestão era inconstitucional,por se tratar de um serviço público que não poderia ter sido concedido gratuitamente para entidades do setor de transportes.
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Naquele mesmo ano,suspeitas já haviam recaído sobre os dados gerados a partir da bilhetagem. A Riocard esteve no centro das denúncias da Operação Cadeia Velha,braço no Rio da Lava Jato. Na época,19 pessoas,incluindo deputados e empresários de ônibus,foram acusados de pagar cerca de R$ 270 milhões em propinas a agentes públicos para terem decisões favoráveis às empresas,como redução de impostos. Segundo a investigação,parte da comissão que a Riocard tinha direito pela gestão da bilhetagem (5% do faturamento) era manipulada para ressarcir os envolvidos.
Em julho de 2022,porém,na esteira de outros processos originados da Lava Jato,todas as provas da apuração foram anuladas pelo Tribunal Regional Federal do Rio (TRF) por falhas processuais. O TRF entendeu que o juiz Marcelo Brêtas era incompetente para julgar o caso,que deveria ter tramitado na Justiça estadual. Sobre a Lava Jato,a Fetranspor afirma que,à época,prestou todos os esclarecimentos necessários.
As acusações de irregularidades na administração do bilhete único foram precedidas ainda de mais uma polêmica. Em maio do ano passado,após uma sequência de idas e vindas por meio de liminares,a Riocard foi proibida pelo Tribunal de Justiça do Rio de ficar com os valores das sobras das passagens que os usuários deixavam no cartão. Na época,a empresa se comprometeu a devolver o dinheiro após o processo transitado e julgado. Em nota,a Riocard informa,contudo,que “ainda vai analisar novos recursos ao Tribunal de Justiça quanto à penalidade imposta”.
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MPRJ e Defensoria Pública moveram uma ação na Justiça contra essa apropriação dos recursos. A lei que instituiu o Bilhete Único Intermunicipal era omissa na definição de quem ficaria com os créditos expirados após um ano. O prazo gerou sobras milionárias não devolvidas aos usuários,objeto de uma queda de braço entre estado e empresários.
O impasse ganhou contornos em 2014,numa auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) sobre o modelo do BUI. Obrigadas pela Justiça,Riocard e Fetranspor informaram que,em cinco anos (2009 a 2014),os excedentes retidos somavam cerca de R$ 90 milhões.