2025-05-07
IDOPRESS
Formandos no Parque do Flamengo,na Zona Sul do Rio — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo/ 11/07/2021
GERADO EM: 07/05/2025 - 00:08
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Um dos meus mestres,o professor Luiz de Castro Faria,chamava a atenção para o “bacharelismo” brasileiro no intuito de definir nosso legalismo — o ideal de ordenar juridicamente a realidade social.
Bacharel é alguém diplomado numa faculdade de Direito,mas é também o “bem-falante” ou o “tagarela” capaz de invocar uma regra para tudo. O termo nasce pelos anos 1400 para designar o aspirante a um diploma universitário. Quando o Brasil era um “país de analfabetos”,seria impensável ocupar certos cargos sem o título de bacharel. Isso explica o fato de o Brasil ser o país com mais faculdades de Direito do planeta. Era esse formalismo que nosso professor apontava.
Todo mundo que “se lava” ou aspira ao bacharelato social busca ser “branco”,ter “boa aparência”,ser “limpo”,simpático e,por fim,mas jamais por último,ser “bem relacionado” — pertencer à turma ou ao partido certo. Ser,como adverte Manuel Bandeira,amigo do Rei,tendo as prerrogativas,os privilégios e as vantagens dos “grandes” e mandões. Dos donos do poder,como dizia Raymundo Faoro.
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Eis uma aristocratização que estou rouco de repetir nesta coluna. Nobreza mal mascarada porque são justamente os “bacharéis”,esse povo que escreve em jornais,tem curso superior,que mais falam em democracia e,dependendo da pessoa ou contexto,desdenham a universalidade da meritocracia e,inapelavelmente,usam particularismos para “vencer na vida”. Um vencer que se traduz em “enriquecer” ou “subir”,tendo certeza das anistias e anulações,como estamos fartos de engolir.
São essas singularidades bacharelescas que justificam o “você sabe com quem está falando?” por mim analisado,que surpreende pela ausência de discussão porque é justamente o particularismo que estrutura o campo cultural brasileiro. Campo dinamizado por uma competição entre solidariedades devidas aos companheiros e as regras do Estado Democrático de Direito que formalizam a democracia liberal.
Liberal porque nós,humanos,substituímos instintos por uma consciência que é,fundamentalmente,libertária e nos faculta e nos condena a escolhas que nos individualizam e,ao mesmo tempo,conduzem à solidariedade.
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Em nossa vida pública,chama a atenção a recorrência de crimes cometidos por administradores públicos e o fato de os criminosos serem ancorados por laços de amizade,ideologia ou prerrogativas jurídicas. Espanta verificar que os meliantes sejam nomeados por governantes eleitos por partidos políticos furiosamente voltados para o bem público. A marca do que chamamos de “corrupção” é justamente o absurdo da legitimidade burocrática,ao lado do apoio hoje desmontado pelos instrumentos digitais,de companheirismo ideológico. Esse traço,acentuo,vale tanto para a direita cavernária e burra quanto para esquerda iluminada.
Trata-se do permanente confronto de costumes contra leis; de relacionamentos contra as isenções e isolamentos exigidos pelos cargos públicos num sistema democrático. Isenções ou insulamentos sistematicamente suspensos pelas “considerações” jurídicas do companheirismo ideológico. Nesse sistema,não existe conflito de interesse porque ele é no fundo guiado somente por interesses. Aí está a raiz do patrimonialismo de Antônio Paim e Raymundo Faoro.
Na descoberta do conflito,quem arbitra para condenar ou anistiar é o bacharel que,como profeta,aplica os mandamentos,protegendo o lado que mais lhe fala tanto à cabeça quanto ao bom senso do velho coração.
Entre a casa (o Executivo) e a rua (o Legislativo),surge intemerato o Judiciário com seu bacharelismo que não conhece contradição ou,reitero,conflito de interesse. Donde as anistias e as decisões contraditórias. Esse oscilar entre leis e costumes,entre o impessoal e o pessoal,é a marca maior de um sistema avesso à igualdade.