2025-06-23
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Vacinação: Crianças de 10 e 11 anos estão sendo imunizadas contra a dengue — Foto: Guito Moreto
GERADO EM: 20/06/2025 - 19:28
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A esta altura,todo mundo já deve ter visto ou lido algo a respeito do Anuário VacinaBR,elaborado pelo Instituto Questão de Ciência em parceria com o Unicef e apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações. Apresentando dados de vacinação infantil de 2000 a 2023 com um nível de detalhamento inédito,o anuário levanta dois pontos particularmente preocupantes: as disparidades locais e regionais de cobertura e o abandono,quando a criança recebe a primeira dose da vacina,mas não volta para completar o regime.
O detalhamento local e regional é muito importante. Confiar apenas em grandes agregados (números estaduais e ou nacionais) pode gerar uma complacência perigosa. O relatório revela situações em que um município tem cobertura adequada para determinada vacina,mas o município vizinho não chega à metade de meta.
A vacina que protege contra o sarampo,a tríplice viral,é um bom exemplo. A primeira dose deve ser dada aos doze meses (tríplice),e a segunda (tetraviral,com varicela),aos quinze. A partir de 2014,começa uma queda consistente de cobertura. Em 2023 e 2024,há retomada,mas ainda assim,abaixo do necessário. Em 2023,apenas quatro estados (Santa Catarina,Mato Grosso do Sul,Tocantins e Rondônia) atingiram a meta de 95% para primeira dose.
A segunda dose foi um desastre. Nenhum estado chegou perto da meta. A maioria ficou abaixo de 50%. Os dados de 2024 foram disponibilizados recentemente,e não em tempo hábil para constar do anuário,mas o time do VacinaBR fez os cálculos do sarampo para a coluna. O ano mostra melhora,mas ainda com coberturas bem abaixo da meta para a segunda dose. O Rio de Janeiro por exemplo,aparece com aproximadamente 87% para primeira dose e 69% para segunda,melhora considerável diante dos 70% e 37% de 2023,mas ainda longe dos 95% necessários para proteger a população.
O abandono também se revela um problema grave. Em 2023,os estados do Acre,Pará,Amapá,Maranhão e Mato Grosso do Sul apresentaram abandono maior do que 50%. Nesses lugares,mais da metade das crianças que tomaram a primeira dose não voltou para receber a segunda.
O Ministério da Saúde afirma investir pesadamente em campanhas contra o negacionismo para promover a vacinação. Mas abandono não é causado por negacionismo. Em geral,é sintoma de falta de campanha,incentivos e/ou de simples inconveniência. Pode faltar compreensão da importância de receber todas as doses. Ou o posto de saúde é longe,o horário não é conveniente para os responsáveis que trabalham. Ou a vacina está em falta. A Confederação Nacional de Municípios publicou relatório em junho mostrando que,entre abril e maio deste ano,33,7% dos 1.490 municípios analisados enfrentaram falta de vacinas,sendo que 16% não tinham imunizante contra sarampo.
Os dados continentais também não são bons. Bolsões de vulnerabilidade vacinal,causados por baixas coberturas locais,exatamente como vemos no Brasil,possibilitaram surtos de sarampo nos EUA (1168 casos,três mortes),Canada (2968 casos,uma morte) e México (1926 casos,quatro mortes). Sarampo é uma doença altamente contagiosa. O que acontece se pessoas contaminadas chegarem às regiões mais vulneráveis do Brasil? Só em 2025 já tivemos a confirmação de cinco casos de sarampo,três autóctones,ou seja,não “importados”,mas de transmissão local.
Políticas públicas,para serem eficazes,precisam ser baseadas em diagnósticos corretos. Bons diagnósticos requerem bom domínio dos dados pertinentes. O Anuário VacinaBR trouxe dados que escancaram a desigualdade nas coberturas vacinais,por região,e por dose. Desinformação propalada por negacionistas é,certamente,um problema a ser combatido. Mas não é o único,e no caso da crise da vacinação infantil no Brasil,parece não ser o principal,e nem,no momento,o mais urgente.