2025-06-23
HaiPress
Pelúcias Labubu da linha de colecionável The Monster em vitrine China: lançamentos se esgotam em minutos no site e provocam filas quilométricas em lojas físicas. Vendas dos bonecos saltaram 726% — Foto: Bloomberg
GERADO EM: 22/06/2025 - 16:07
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A primeira vez que vi o Labubu ele estava no fundo dos olhos de Vera,o que me deixou bastante animado porque as novidades mais interessantes,as palavras e os personagens mais divertidos dos últimos dez anos,vieram todos do fundo dos olhos dela,minha neta com uma década recém completada. Todo dia,quando o mundo já parece exaurido,repetitivo demais,eis que ela redesenha o planeta com a poesia das coisas que eu não sei.
Não demorei a ver o Labubu por uma segunda,terceira,dúzias de vezes,porque imediatamente percebi que o bichinho com uma fileira de dentes tortos e afiados,imitando um sorriso zombeteiro ou um apetite voraz,dominava as lojas infantis,e outras nem tanto,do shopping em que estávamos. Era um ser estranho. Os olhos esbugalhados reforçavam a impressão de alguma coisa que o deixava indecifrável,entre o espanto de um filme de terror e a alegria da mais pura comédia. Os ingleses chamam de “ugly-cute”.
“Ele é fofo”,suspirou Vera,traduzindo o que lhe ia na alma diante de uma vitrine. Ela estava apaixonada pelo novo queridinho,o boneco,ou a boneca,nada é muito claro no perfil Labubu,que destronou do coração das meninas o cantor bonitinho do K-pop. Esse objeto de desejo parece um elfo excêntrico,às vezes um duende bagunceiro,talvez um coelho desparagonado por causa das orelhas em pé – parece até mesmo um monstrinho que a própria Vera,numa tarde pouco inspirada,desenhou com suas canetinhas Bobbie Goods.
Em uma de suas músicas mais bonitas,Paulinho da Viola diz que “quem quiser que pense um pouco”,mas,sorry,ele não pode explicar a vida num samba curto. Não serei eu,com menos recursos ainda,que explicarei numa crônica curta de segunda-feira por que essas entidades dúbias,nem isso nem aquilo,nem anjo nem demônio,escalaram a preferência de nossas filhas e netas. Deve ter um borogodó,alguma coisa imperceptível a adultos que ainda usam a palavra “borogodó” – mas quem sou eu para desmentir Paulinho da Viola e compor a segunda parte de um samba sabichão sobre a vida desse herói.
Notei,continuando o passeio,que os bonecos-príncipes,topetudos bem vestidos,foram expulsos das vitrines – o que não me surpreendeu muito porque,na vida real,o príncipe Harry também caiu fora do Palácio de Buckingham para viver,no outro lado do oceano,um amor plebeu com a atriz americana. Os dentes de brancura omo-total do Ken,a cinturinha de pilão da Barbie,o mundo de filtro cor de rosa em que fingiam viver... Vera e sua geração de amigas não querem mais brincar nesse instagram de perfeições desprovidas de qualquer graça.
O Labubu é parente do bebê reborn,dividem as vitrines da moda,mas não se dão. Também feioso,o reborn quer ser aceito,reconhecido como criança de verdade e,sonho maior,adotado pelo carinho de quem se apresente como mãe ou pai. O Labubu é bem resolvido. Eu aprendi com Vera que ele não se faz de coitadinho.
“É um feinho feliz”,ela me disse – e aí,já que o disco estava tocando desde o início,eu me lembrei de outro samba do Paulinho da Viola,aquele que diz “Eu sou assim/ quem quiser gostar de mim/ eu sou assim”. Não cantei. Vera ia achar um mico. O Labubu também.