2025-06-23
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Cursos não conferem título de especialista — Foto: Freepik
GERADO EM: 20/06/2025 - 18:24
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Com o número de faculdades de medicina crescendo em ritmo maior do que o de vagas em residências médicas,tem aumentado no mercado a oferta de cursos de especialização a recém-formados como alternativa para quem quer seguir uma especialidade. A proliferação desse tipo de pós-graduação,contudo,tem despertado preocupação entre representantes do setor,que veem falta de controle quanto à qualidade e à função desses programas.
A Demografia Médica no Brasil 2025,elaborada em parceria entre o Ministério da Saúde,a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e a Associação Médica Brasileira (AMB),evidenciou que o crescimento acelerado da graduação em medicina no Brasil,sobretudo na rede privada,não foi acompanhado por um aumento proporcional de vagas em residência médica — o principal meio de formação de especialistas.
Nos últimos dez anos,o número de vagas autorizadas em cursos de medicina mais do que dobrou,indo de 23,5 mil em 2014 para 48,4 mil em 2024. A rede privada concentrou cerca de 80% (38,4 mil) do total de vagas na área no ano passado. Enquanto isso,a oferta de residências médicas teve aumento tímido nos últimos anos,passando de 22,1 mil em 2018 para 24,2 mil em 2024.
Em 2020,havia 13,7 mil vagas para 20,3 mil formados. Em 2024,o descompasso aumentou: foram 16,1 mil vagas de acesso direto para 32,6 mil graduados. Além disso,a maioria dos residentes (62%) estava concentrada nas capitais.
Sem conseguir uma vaga na residência,muitos recém-formados optam por cursos de pós-graduação médica. Contudo,apesar de oferecerem capacitação profissional,esses cursos não conferem o título de especialista,que só é reconhecido por duas vias: a residência médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM),vinculada ao MEC,ou aprovação em exame realizado por sociedades de especialidade filiadas à AMB.
Em 2024,segundo a Demografia Médica,o país já contava com 2,1 mil cursos de especialização médica,quase metade do número total de programas de residência no mesmo ano. Do total,41,2% são ofertados integralmente à distância,e outros 11,1% em formato semipresencial.
Procurados para tratar do aumento desses cursos,os ministérios da Saúde e da Educação não comentaram.
A maior parte da oferta está concentrada nas regiões Sudeste e Sul e a duração média do curso é de 13 meses — bem inferior aos dois a cinco anos exigidos na residência. Além disso,90% são pagos: o custo médio é de R$ 15 mil pelo curso inteiro,mas pode chegar a até R$ 30 mil,segundo estimativas do setor.
Representantes de entidades médicas ouvidos pela reportagem afirmam que a modalidade tem pouca fiscalização e que sua apresentação — especialmente a nomenclatura — induz à ideia equivocada de que confere o título de especialista. Por isso,defendem uma atuação mais rígida por parte do governo federal.
— Esses cursos que estão proliferando prometem um título de especialização que não dão. Na realidade,nada mais são do que cursos de aperfeiçoamento. Na minha avaliação,o MEC e o Ministério da Saúde precisam agir para regular esse mercado e evitar a formação inadequada — afirma Antonio José Gonçalves,presidente da Associação Paulista de Medicina (APM).
Hoje,o Ministério da Educação define os cursos como programas de educação continuada destinados a profissionais já graduados,com foco na atualização profissional. Para serem ofertados,exigem apenas o credenciamento da instituição e o registro das informações gerais. Não há necessidade de autorização prévia por parte do MEC ou do Ministério da Saúde.
Uma possibilidade,segundo Gonçalves,seria que as sociedades de especialidade vinculadas à AMB passassem a avaliar as propostas dos cursos,analisar a grade curricular e emitir pareceres sobre a qualidade da formação oferecida.
— O médico que faz esse curso não precisa ser um especialista em endocrinologia,por exemplo,mas pode ter um aperfeiçoamento em doenças da tireoide,que é algo mais limitado. Mas isso teria que ser chancelado pela Sociedade de Especialidade — diz.
O professor da Faculdade de Medicina da USP Mário Scheffer defende que uma possível nova regulamentação deve envolver instituições públicas ou da sociedade civil da área médica,estabelecendo critérios mínimos de qualidade,como corpo docente,projeto pedagógico e infraestrutura.
— Quem quiser fazer,pode fazer. Às vezes,podem aprender coisas. São cursos de atualização,podem reciclar conhecimentos. Não são cursos ilegais,muitos são reconhecidos pelo MEC,o que eles não são é formadores de especialistas — diz o presidente da AMB,César Fernandes.
No início do mês,o ministro da Saúde,Alexandre Padilha,anunciou a abertura de três mil vagas para residências médicas,com foco em regiões desassistidas,além de outras 500 para capacitação de médicos especialistas. A medida faz parte dos esforços do governo para acelerar os resultados do programa de redução de filas para atendimentos especializados no SUS,o Agora Tem Especialistas.
— O que já tinha sido feito com muito esforço não era suficiente para dar conta do problema. Não vamos resolver todas as questões,mas vamos avançar nesse período — afirmou Padilha sobre a insuficiência de médicos especialistas no SUS.
*Colaborou Ivan Martínez-Vargas